Rio e México: tragédias diferentes
O fim de semana foi marcado pela tomada do Complexo do Alemão pela polícia, com ajuda das Forças Armadas. Descrita pelo governo, prudentemente, como apenas uma batalha vencida em uma guerra muito mais longa, a operação sugere um avanço histórico do Estado brasileiro sobre o crime organizado. Indica que, felizmente para o Brasil, o país está longe da situação vivida na Colômbia nos anos 80 ou enfrentada atualmente pelo México.
A dezenas de milhares de quilômetros dos morros cariocas, o presidente mexicano, Felipe Calderón, deve invejar o resultado da ação no Rio de Janeiro. Há quatro anos envolvido em uma guerra contra o narcotráfico que já deixou cerca de 30 mil mortos, a maioria vítima de combates entre os próprios cartéis de drogas, Calderón tem pela frente uma missão muito mais difícil do que a brasileira. Há semelhanças também, é verdade. Nos dois países, quadrilhas de traficantes controlam áreas inteiras desde os anos 70/80, aproveitando-se da inoperância e até mesmo conivência do Estado, criando um poder paralelo. Civis brasileiros e mexicanos são envolvidos nas seguidas batalhas do tráfico que vitimam especialmente jovens das camadas mais pobres da população. Parte significativa das autoridades policiais colabora com o poder paralelo seduzida pelos ganhos materiais da corrupção. As duas guerras contam agora com a participação das Forças Armadas nacionais, chamadas para ajudar ou corrigir os erros das polícias. Mas não é preciso procurar muito para ver que o problema mexicano é muito mais preocupante e de difícil solução.
Na semana passada, uma pesquisa mostrou uma queda do apoio popular à ação do Exército na guerra ao crime organizado mexicano. O levantamento mostrou ainda uma redução do apoio da opinião pública à estratégia do governo de Calderón para combater o narcotráfico. Analistas dizem que a popularidade da ação das Forças Armadas caiu porque a violência permanece no mesmo nível ou até pior. Mas há outro aspecto da participação militar que diferencia o México do Brasil e abala o plano do governo mexicano. O Exército não foi apenas chamado para dar apoio logístico ou militar em operações pontuais, como no Rio. Diante de instituições praticamente falidas, o Exército foi enviado para a fronteira com os Estados Unidos para em muitos casos assumir diretamente o combate à criminalidade, com todos os riscos que tal decisão pode trazer. A revista The New Yorker trouxe semanas atrás , colocado na função de chefe de polícia de Tijuana. Três anos depois, o número de assassinatos na cidade diminuiu, mas as denúncias de prisões arbitrárias e tortura pelos homens de Leyzaola se acumulam.
Diferentemente do que acontece no Brasil, os carteis mexicanos se espalham por quase todo o território nacional, de oeste a leste e até em Estados próximos à capital. Isso além de controlar grande parte do que se passa na fronteira com os Estados Unidos. Como no caso da guerra carioca, o bem mais precioso dos criminosos é o território, algo que a polícia do Rio de Janeiro vem recuperando pouco a pouco. Mas no México tal bem, além de mais valioso, é muito mais vasto. Em seu , o jornalista Ed Vulliamy faz um retrato detalhado de como esse terreno tem sido disputado pelos carteis locais. Ele também cita outro autor, Don Winslow, que descreveu bem o poder dos narcotraficantes: "O seu produto não são as drogas, mas sim os 2 mil quilômetros de fronteira com os Estados Unidos".
Nessa longa fronteira, há inúmeros palcos de guerra, como Tijuana ou Nuevo Laredo, alguns deles tomados pela total anarquia, como Ciudad Juárez (foto acima). O México investiu tudo que tinha a seu dispor nos últimos quatro anos, inclusive com táticas que, segundo denúncias, avançam para o lado da ilegalidade. A violência, entretanto, continua em níveis assombrosos, como no caso do assassinato de dezenas de imigrantes ilegais neste ano. O país sabe que seu problema não será resolvido facilmente ou tão cedo e que a solução passa por um engajamento do seu poderoso vizinho do norte. A luz no fim do túnel brasileiro ficou mais brilhante ao final da batalha do Morro do Alemão, com o Estado ganhando terreno e prestígio na guerra ao crime organizado. Já o longo caminho dos mexicanos ainda parece marcado pela escuridão.
Tudo indica que será um ano difícil. Na Europa, políticos tentam salvar a União Europeia por meio de pacotes de ajuda financeira a países já endividados que lutam para retomar um bom nível de crescimento. Greves gerais e protestos de rua, cenas já vistas desde 2008, devem se tornar mais frequentes. Governos, como o da Irlanda, podem não resistir à pressão e se render ao apelo por novas eleições. Nos Estados Unidos, um presidente enfraquecido tentará governar sem o apoio da Câmara dos Representantes. No seu caminho, estará uma economia em lenta recuperação, até agora insuficiente para reduzir a alta taxa de desemprego. O mundo seguirá dividido em dois, com a parte desenvolvida empacada e endividada e o lado emergente crescendo em poder econômico e confiança política. A China tentará equilibrar a delicada equação envolvendo crescimento/moeda/comércio internacional, e a Índia continuará correndo para reduzir o nível de pobreza, condição em que vive 70% da sua população. Somados a isso tudo, a recente preocupação com ataques terroristas, a crescente tensão na Península Coreana e a possibilidade de que a Questão Palestina chegue a um momento de tudo ou nada deixam claro que 2011 promete.
Não é raro que crises levem a manifestações violentas de frustração coletiva. Algumas levam até mesmo a guerras, civis ou entre países. Mas na maioria dos casos a insatisfação ganha corpo nas ruas, de forma precariamente organizada, mostrando aos líderes políticos que algo não anda bem no estado da nação. Depois de meses de anúncios de cortes de gastos públicos e benefícios, aumento de impostos e alertas de que a vida na Grã-Bretanha ainda ficará pior antes de melhorar, as ruas de Londres viram sua primeira grande demonstração de ira. Dezenas de milhares de estudantes marcharam nesta quarta-feira pelo centro da capital britânica e, diante da sede do Partido Conservador, o maior da coalizão governista, muitos enfrentaram a polícia, lançaram objetos, quebraram janelas, invadiram o prédio. "It turned nasty", como dizem os ingleses.
A reunião de líderes do G20, nesta semana, em Seul (Coréia do Sul), confirmará a ascensão do poder econômico e político das nações emergentes. O destaque é o quarteto reunido anos atrás na sigla BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China, um grupo repleto de diferenças entre si. É sabido que, quando o termo BRIC começou a ser usado, muitos viam o Brasil como uma espécie de patinho feio no meio de três imponentes cisnes. Nos últimos anos, entretanto, o representante latino-americano passou a ser reconhecido como uma estrela diferenciada, com vantagens sobre os antes mais badalados emergentes.
A eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República é um fato repleto de ineditismos. Primeira colocada numa disputa tensa, acirrada e apaixonada, a petista é a primeira mulher escolhida para comandar a nação. Também é a primeira pessoa presa e torturada pelo regime militar (1964-85) a chegar ao cargo máximo do país e a primeira líder a dar continuidade a oito anos de um governo no atual período democrático. Os eleitores brasileiros nunca haviam sancionado pela segunda vez seguida a permanência de um partido à frente do governo federal, o que é um indicativo do grau de satisfação da maior parte da população com a realidade atual. O momento político que vive o Brasil é, sem dúvida, único em seus 188 anos de independência.